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A FORÇA DAS MULHERES NO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGA
Apesar do preconceito persistir e o número ainda ser pequeno, mais mulheres vêm atuando no setor de transporte rodoviário de carga

O setor de transporte rodoviário de carga é repleto de dificuldades. Os motoristas autônomos sofrem com o frete baixo, a disparada do preço do diesel e a falta de segurança, sobretudo nas estradas. Para os empresários há, principalmente, altos impostos, legislação complexa e sucessivos aumentos de custos.

Além disso tudo, quando se trata de mulheres, também existe o preconceito. Seja ao volante ou no comando de uma empresa. Apesar disso, muitas encaram o desafio de provar que dão conta do recado. E isso não é nada fácil.

Em primeiro lugar, elas ainda são a minoria da minoria. Nesse sentido, as vagas no setor são majoritariamente para homens. Ainda assim, algumas ocupam cargos de liderança. Porém, a maioria só assume a posição após herdar a empresa do pai ou do marido.

Transporte rodoviário é 99% masculino
Atualmente, as mulheres representam apenas 0,5% do total de caminhoneiros autônomos do Brasil. Segundo dados de uma pesquisa feita com 1.066 motoristas de caminhão, 99,5% eram homens.

A pesquisa para conhecer o perfil do caminhoneiro no País foi feita em 2019. conduzida pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), informa que cerca de 99,5% dos entrevistados eram homens. Logo, as mulheres representavam apenas 0,5% dessa comunidade.

Segundo levantamento feito pelo TruckPad a pedido do Estradão, de 500 entrevistados apenas 1% eram mulheres. O estudo foi realizado em julho do ano passado.

Atualmente, existem 2 milhões de caminhoneiros em atividade no Brasil. Desse total, somente 10 mil são mulheres. O número é estimado com base nos dados apurados pela CNT e pelo TruckPad.

Mulher em caminhão ainda desperta curiosidade

Mesmo com 17 anos de profissão, Alice Mara Presser diz que ainda ainda percebe olhares curiosos. Sobretudo quando ela vai manobrar sua carreta. Segundo ela, isso também é comum quando ela chega a alguma empresa para entregar a carga.

De acordo com Alice, que tem 61 anos, não é raro perguntarem logo na portaria se ela é a motorista. Ela também diz que as mulheres são mais cobradas para dirigir bem.

Contudo, Alice diz que encara esse tipo de situação com tranquilidade. Segundo ela, isso pequeno diante da paixão que ela sente pela profissão de motorista de caminhão.

Ela conta que antes de virar carreteira, trabalhava como cozinheira. E da janela da cozinha, no prédio em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, dava para ver a Via Anchieta. Alice diz que ficava admirando os caminhões que passavam.

E sonhava em poder dirigir um deles algum dia. “Eu dizia para uma amiga que seria motorista de caminhão e rodaria o mundo. E ficava sonhando com esse momento”, conta.

Sonho concretizado

No fim das contas, ela conseguiu realizar seu sonho. E diz que não foi fácil. Afinal, Alice não tinha nenhuma experiência como motorista. Assim, demorou para surgir a primeira oportunidade na profissão.

Alice diz que fez vários cursos. Entre eles ela concluiu o MOPP, transporte escolar e transporte coletivo. Tirou a carteira de habilitação de categoria “D” e começou a buscar trabalho.

O primeiro foi em uma empresa que fazia o transporte de caminhões zero-km da Scania da fábrica para as concessionárias de todo o Brasil. “Mas eu queria ir além. E fui evoluindo até chegar à carreta”, conta.

Segundo ela, o que a mais gosta são as experiências que poucas profissões podem proporcionar. “Vejo paisagens diferentes. Tenho contato com pessoas e culturas diferentes”, diz.

Alçando caminhos internacionais

Na Hércules, transportadora onde trabalha, Alice dirige um Volvo FH com motor de 440 cv e implemento do tipo sider. Ela transporta produtos químicos em diversos Estados do País. E também viaja para o Uruguai, Paraguai, Argentina e Chile.

Alice conta com orgulho que já dirigiu vários tipos de caminhão. Dos leves aos mais pesados. Também guiou ônibus. Segundo ela, uma das experiências mais emblemáticas foi com os chassis Mercedes-Benz OF.

Ela levou duas unidades da fábrica de São Bernardo do Campo até Cáceres, no Mato Grosso. O transporte foi feito com um sobre o outro.

“Fui dirigindo como se fosse uma moto. Tinha só a cadeirinha e o cinto de segurança. Quando eu passava por algumas cidades as pessoas davam tchau e gritavam para mim. Se divertiam por ver alguém dirigindo um monte de ferro.”

De acordo com a caminhoneira, a mulher se diferencia dos homens principalmente por ser mais responsável. Segundo ela, as mulheres também são mais cuidadosas com o equipamento. “H empresas que preferem trabalhar mais com mulheres porque sabem disso”, afirma.

Elas estão no comando

Ana Jarrouge tem 43 anos. E pode-se dizer que ela está ligada ao transporte rodoviário desde que nasceu. Neta e filha de transportadores, Ana construiu sua carreira profissional na empresa da família, a Ajofer Transportes.

“Desde que me conheço por gente, costumo lidar com tudo que envolve caminhões”, conta. Ela diz que trabalhou por 20 anos na transportadora. “Meu pai me deu abertura para passar por todos os departamentos.”

Ana conta que começou como auxiliar, passou pelo RH e por vários outros departamentos. “Até que assumi a área administrativa e me tornei o braço-direito do meu pai”, conta.

O pai de Ana, aliás, teve forte atuação em entidades de classe do setor. Inspirada nele, ela fez o curso de Direito. E, após se formar na faculdade, acabou seguindo seus passos.

Iniciativas que inspiram
Atualmente, ela é advogada com atuação no setor. Além disso, é presidente-executiva do Sindicato das Empresas de Transporte de São Paulo (Setcesp). Ou seja, Ana comanda um dos maiores sindicatos patronais do setor no País.

Por isso, ela diz que foi inspirada a criar o movimento Vez e Voz. Trata-se de uma forma de incentivar as mulheres que atuam no setor de transporte rodoviário de cargas.

Além disso, o objetivo e ajudar as mulheres que queiram atuar no setor. Nesse sentido, o movimento organiza encontros e eventos. Além disso, organiza um site no qual são divulgadas iniciativas de mulheres no setor.

Movimentos que inspiram

Do mesmo modo, o movimento se preocupa com o dia a dia delas. Nesse sentido, busca sensibilizar o setor sobre a necessidade de haver infraestrutura para mulheres nas empresas. Sejam motoristas, executivas ou profissionais de qualquer outra posição.

“Essa iniciativa tem a função de ajudar as empresas a ter um olhar mais empático para as mulheres. Porque somos importante para o setor. E também para que a sociedade enxergue o nosso segmento como mais inclusivo. Que tenha respeito e mais equidade de gênero e salarial”, afirma Ana.

Segundo ela, nas transportadoras há muitos talentos femininos. Com o Vez e Voz, ela quer incentivar mais mulheres a seguirem para cargos de liderança.

Novas gerações

Em tom de brincadeira, Licia Amacedo diz que se sente empoderada toda vez que estaciona seu Volvo FH 540 em um posto de combustível. Segundo ela, o maior orgulho é servir de inspiração para os dois filhos. Ambos seguiram os passos da mãe.

“Minha filha é a única motorista de caminhão na transportadora onde trabalha. E o meu filho trabalha no grão, com uma carreta de nove eixos”, diz. “Por causa da escolha deles, meu amor pela profissão só transbordou.”

Licia, que nasceu em Salvador há 47 anos, transporta combustível por todo o Brasil. E considera que sua trajetória é um grande sucesso. Ela começou há 18 anos e sentiu dificuldades no início porque a profissão é tipicamente masculina.

O poder feminino

“Antigamente, você provar que era capaz de dirigir um caminhão não era fácil”, relembra. Contudo, ela diz que o fato de ser mulher a ajuda muito. “É um belo marketing para as empresas terem mulheres no quadro de motoristas.”

Licia ser arrisca a dar conselho para as mulheres que buscam sucesso como carreteiras. “É preciso fazer o certo e tentar sempre buscar a perfeição”. E usa a si mesmo como exemplo. “Manobro um caminhão de 26 metros com perfeição. E quando paro em um lugar e percebem que é uma mulher ao volante, todos ficam admirados”, diz.

Ela afirma que se um homem errar a manobra, ninguém comenta nada. “Mas se for mulher, logo alguém vem dizendo que está no ramo errado”, desabafa.

Elas ainda são poucas na linha de frente

Aldrey Lopes, de 24 anos, trabalha como mecânica de caminhões em Angatuba, cidade do interior de São Paulo. Ela conta que começou a frequentar a oficina do pai por obrigação.

“Eu tinha 17 anos e ele queria que eu e minha irmã tivéssemos uma ocupação. Na época, eu trabalhava meio período e a minha irmã fazia o outro turno. Logo ela arrumou outro emprego, se casou e foi cuidar da família”, conta a mecânica.

Aldrey, por sua vez, se apaixonou pela profissão. E tornou-se o braço-direito do pai, Valdicley da Silva Lopes, de 51 anos. Nesse sentido, ganhou fama de uma das melhores soldadoras da região.

Incentivando outras mulheres

Segundo ela, isso é resultado de muito esforço. “Me especializei, Fiz cursos e me dediquei. Primeiro por ser gratificante dar continuidade à profissão do meu pai. Além disso, sou prova de que a mulher pode estar onde quiser”.

Ela também mostra que a feminilidade pode estar em qualquer profissão. Portanto, não descuida do corpo. Assim, depois do expediente ela ainda encara a academia. “A atividade de mecânico é puxada. De caminhão é ainda mais”, diz.

Sobre preconceito e desrespeito, a jovem não floreia. Diz que são comuns, inclusive por parte de mulheres. Segundo a mecânica, muitas a julgam por considerar a profissão muito masculinizada.

De acordo com ela, a pior parte é o assédio. No início da carreira, ela saia chorando da oficina para casa. No entanto, com o apoio do pai a jovem aprendeu a lidar com os abusados. Agora, enfrenta e responde os ataques sem medo.

Sororidade

Como resultado de seu empenho, Aldrey tem milhares de seguidores nas redes sociais. Assim, ela busca incentivar outras mulheres a ter um olhar mais empático para profissões consideradas “de homens”.

“Independentemente da profissão, as mulheres sempre são mais julgadas. Isso tem de acabar. Temos de conquistar nosso espaço. E não ter medo dos olhares tortos”, afirma, convicta.

Mulher de caminhoneiro

Franciele Morilho, de 27 anos, é casada com o carreteiro Thiago Rodrigues, de 28 anos. Segundo ela, quando se conheceram ele trabalhava com logística. E estudou para seguir esse caminho. Porém, por ser filho de caminhoneiro, a vontade de pegar a estrada foi mais forte.

“O Thiago cresceu na boleia do caminhão. Então, eu sabia que cedo ou tarde ele iria acabar dentro da boleia de novo”, diz ela. E não levou muito tempo para isso acontecer.

Após trabalhar em algumas empresas na área de logística, ele comprou um caminhão com a ajuda do pai. No entanto, antes de decidir virar caminhoneiro, ele buscou o apoio da esposa.

O apoio familiar importa

E, mesmo sabendo das dificuldades da profissão, Franciele o apoiou. Assim, como sabia que o marido ficaria muito tempo fora de casa, ela saiu do emprego. Isso para cuidar da pequena Lavínia. A filha do casal tem quatro anos.

Segundo Thiago, o apoio da esposa foi fundamental para ele trocar o certo pelo duvidoso. De acordo com ele, no início foi preciso “ralar” muito para conquistar a confiança das empresas e garantir freses.

“Mas graças a Deus eu o incentivei”, diz Franciele. Segundo ela, apesar de ser jovem o marido tem uma boa carteira de clientes. “Nunca falta serviço”, afirma ela.

No entanto, ela conta que ainda fica com medo toda vez que ele viaja. “As estradas não são seguras. Portanto, a mim só cabe apoiar com orações. Não só para o meu marido, mas para que todos os carreteiros voltem para casa em segurança.”

 

Fonte: Estradão

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