Ramos importantes da indústria brasileira continuam apontando a escassez de insumos como fator limitante para a produção no início de 2021, como os segmentos de veículos, produtos de metal e plásticos. A situação, que vem pressionando o setor desde o terceiro trimestre de 2020, dá sinais de melhora, mas ainda não está normalizada. A falta de determinadas matérias-primas limita alguns segmentos, que já começam a desacelerar.
Com a queda na confiança da indústria em janeiro, as empresas apontam para um período desafiador no momento atual, e o recrudescimento da pandemia, o fim de benefícios emergenciais e o aumento da incerteza também criam perspectivas menos otimistas para os próximos meses.
O cenário é traçado pelas pesquisadoras Claudia Perdigão e Viviane Seda Bittencourt, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV). Quesito especial da mais recente sondagem com empresários mostra que, em janeiro deste ano, 48,1% das indústrias identificaram restrições à expansão do volume de produção, 20% apontando a escassez de matéria-prima como gargalo. Este foi o fator limitante mais citado.
Na sondagem de novembro de 2020, 55,5% dos empresários da indústria relatavam dificuldade para comprar matéria-prima. Há diferenças metodológicas entre as pesquisas: na de janeiro, o respondente apontava um fator limitativo para sua expansão, enquanto na de novembro foi contabilizada a frequência da respostas sobre escassez de matéria-prima para justificar a dificuldade de se obter insumos – outros fatores também podiam ser citados, como câmbio.
A percepção geral é que o acesso a matéria-prima na indústria melhorou de lá para cá, diz Claudia, mas não é possível afirmar se determinado segmento está com dificuldade de comprar um insumo específico. “Em novembro, a restrição indicada era muito elevada. A maior parte dos setores registrava mais da metade das empresas com dificuldade de acesso a insumos.” À época, 14 dos 18 segmentos acompanhados encontravam-se nessa situação. No quesito de janeiro, em oito ramos a escassez de matéria prima foi o fator limitativo mais citado (veja quadro acima).
Entre os quatro segmentos com maior dificuldade na obtenção de insumos em novembro, apenas produtos plásticos e outros produtos (com peso grande de bebidas) registraram escassez de insumo como limitante para a expansão da produção em janeiro. Para os segmentos de vestuário e têxtil, o fator limitativo mais citado passou a ser o nível da procura, sinalizando já os desafios que os segmentos esperam com o fim de estímulos fiscais. “Muitos setores reviram para baixo projeções de demanda, interna principalmente. Agora, as empresas enfrentam incertezas, com a dúvida sobre a continuidade ou não do auxílio emergencial”, diz Claudia.
Quem ainda sofre mais com a falta de insumos são as indústrias de veículos – 49,6% apontaram esse fator limitante em janeiro; em novembro, 61,1% reportaram dificuldade de obter matéria-prima – e produtos de metal (45,6% em janeiro e 63,2% na pesquisa de novembro).
“São segmentos que usam insumos da mesma cadeia. Percebemos que houve dificuldade de acesso a produtos da área de metais. Em novembro, por exemplo, houve muito relato da dificuldade de acesso a aço. O que nós vemos é que essa dificuldade de acesso vem se mantendo, pressionando setores que utilizam esses insumos”, diz Claudia.
Ela observa ainda que a ociosidade nos dois ramos está elevada. O Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) de veículos era, em janeiro, 5,8 pontos percentuais inferior à média histórica. “É um setor que não está muito aquecido. Por outro lado, o índice de confiança está acima do normal e crescendo, então, projetam melhora”, diz a pesquisadora. O Nuci de produtos de metal estava 1,6 ponto percentual (p.p.) abaixo da média.
Segundo a Anfavea, a associação de fabricantes de veículos, a situação de vários insumos melhorou, embora ainda não esteja plenamente resolvida. Há, porém, um problema global de escassez de semicondutores que já cria gargalos na produção, microparadas e gera muita preocupação. Na área de metais, o Instituto Aço Brasil lembra que seu ramo chegou a operar com 45% da capacidade instalada em 2020. Hoje, está em 67,3%, ultrapassando janeiro passado. Segundo a entidade, ajustes ainda estão sendo feitos, mas a indústria “está plenamente capacitada a abastecer o mercado interno”.
Em outra frente, as pesquisadoras do Ibre destacam um grupo de segmentos industriais que têm percentual menor de empresas relatando escassez de insumo como limitação, mas que são ramos com a demanda aquecida e capacidade instalada acima da média, o que pode levar a repasses de preços.
Na indústria de produtos plásticos, 29,1% das empresas citaram a escassez de matéria-prima como fator limitativo. O Nuci do segmento está 3,8 p.p. superior à média. Na de alimentos, 23,4% apontaram compra de insumos como limitação, e, na indústria de celulose e papel, 15,3%. Esses ramos estão com os respectivos Nucis 3 p.p. e 3,5 p.p. além de suas médias.
Como a indústria de alimentos ainda tem estoque acima do normal, uma pressão sobre preços não seria imediata, observa Claudia. “Mas, se essa escassez de matéria-prima for continuada, pode começar a sentir.” A indústria de celulose e papel, porém, está com estoque abaixo do normal. “Pode acabar vindo a ser um fator de pressão sobre preços. Ainda mais considerando que o ramo de embalagens está aquecido desde 2020, o que pode, inclusive, pressionar outros segmentos”, afirma, citando quadro similar para plásticos.
A Abia, que representa a indústria de alimentos, destaca que o setor tem dificuldades em adquirir, no mercado interno, insumos como resinas plásticas, além do óleo de palma, fundamental para cerca de metade dos alimentos industrializados no Brasil. Segundo a Abiplast, a associação da indústria do plástico, o cenário, que é global, de desequilíbrio de oferta de matérias-primas plásticas permanece. A entidade diz receber informações de dificuldades de entregas de materiais, notadamente polipropileno, e altos preços.
Na área do papel, a expedição de caixas, acessórios e chapas de papelão ondulado cresceu 4,9% em janeiro ante igual mês de 2020, segundo a Associação Brasileira de Embalagens em Papel (Empapel). É o sétimo mês seguido de recorde mensal. A expectativa de normalização do setor é para o segundo trimestre, “a depender da evolução da economia”, diz a entidade.
Já a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), que representa a cadeia de base florestal, diz que, desde junho de 2020, a demanda por papel para embalagens, sobretudo papel cartão para e-commerce e delivery, reaqueceu e tem se mantido alta. Com cadeia produtiva longa, todos os elos passam por um “processo de reequilíbrio natural de estoques até sua normalização”, afirma. Mas a Ibá estima que o setor conta com sobrecapacidade produtiva para papel cartão de cerca de 34% da demanda e diz que as empresas projetam que o mercado deve se estabilizar “rapidamente nos próximos meses”.
Fonte: NTC&Logística