Publicado originalmente no Correio Braziliense.
Apontada como um marco para o desenvolvimento logístico do semiárido e para a economia do Nordeste, a Ferrovia Transnordestina terá capacidade para transportar 30 milhões de toneladas por ano. A infraestrutura, que liga o interior do Piauí aos portos de Pernambuco e do Ceará, deve reduzir os custos de transportes dos produtos provenientes de polos industriais, minerais e do agronegócio.
As obras da ferrovia ganharam impulso com a liberação de R$ 3,6 bilhões para a conclusão do 7º lote do empreendimento, de Quixadá a Itapiúna, no Ceará. O montante será repassado pelo Banco do Nordeste à Transnordestina Logística (TLSA), mediante crédito do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE).
O termo de aditivo foi assinado na última quinta-feira pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e pelo presidente do Banco do Nordeste (BNB), Paulo Câmara. O aporte será feito em quatro etapas de liberação. Os desembolsos do valor serão realizados parceladamente com até R$ 1 bilhão/ano, de 2024 a 2026, e mais R$ 600 milhões em 2027, data prevista para entrega.
O projeto da Transnordestina conta com 1.209 quilômetros de extensão na linha principal, que liga Eliseu Martins, no Piauí, ao porto cearense de Pecém, passando por Salgueiro, em Pernambuco. Também estão previstos 548 quilômetros de trilhos partindo de Salgueiro em direção ao Porto de Suape, em Pernambuco.
O potencial da integração dos modais de transporte de cargas foi abordado durante a 19º edição da Expolog — Feira Internacional de Logística, que aconteceu na última semana, no Centro de Eventos de Fortaleza. “A logística é um grande estímulo para a atração de investimentos, indústrias, fábricas e empresas para o Ceará”, enfatizou o governador do estado, Elmano de Freitas (PT), em participação no evento.
O projeto de infraestrutura promete integrar os estados nordestinos e dinamizar a economia da região, com impacto significativo na logística de transporte de produtos como grãos, fertilizantes, combustíveis, cimento e minério, principalmente para exportação. De acordo com o diretor Comercial e de Terminais da Transnordestina Logística, Alex Trevisan, responsável pela construção e operação da ferrovia, o empreendimento deve ser composto de 120 vagões e três locomotivas, que substituem aproximadamente 250 carretas.
Os demais lotes devem ser contratados até o primeiro semestre de 2026. “A nossa expectativa é de que a gente consiga no primeiro semestre do ano que vem a autorização de um comissionamento ferroviário, para começar a fazer alguns transportes comerciais de algumas cargas nesses trechos intermediários, vindos de Piauí, de Pernambuco, do interior do Ceará, para já começar uma operacionalização”, diz Trevisan.
A ferrovia prevê a construção de um terminal de grãos entre Iguatu e Quixadá, no Ceará, para atender os produtores de grãos do Piauí, a bacia leiteira e os pequenos e médios agricultores do estado. De acordo com o diretor comercial, esses devem ser os primeiros fluxos da Transnordestina.
“Estamos com uma área no Piauí para começar a desenvolver um terminal de grãos para trazer as primeiras cargas para o interior do estado do Ceará. Tem um consumo muito grande no interior, de gado leiteiro, agropecuária, setor de granjas, rações, então já é um fluxo existente, e a ideia é de trazer por ferrovia de uma forma mais barata e mais em conta, chegando para o consumidor com um custo reduzido”, afirma.
Histórico
O projeto da Transnordestina iniciou em 1959, mas foi interrompido por ser considerado economicamente inviável. O projeto foi retomado e começou a ser efetivamente construído apenas em 2006, durante o primeiro governo Lula. Dez anos depois, 52% da obra havia sido concluída, usando R$ 6,27 bilhões, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a suspensão dos desembolsos de recursos públicos para a ferrovia, após indícios de irregularidades.
Em 2019, após ficar parada por mais de três anos, as obras foram retomadas a partir de um investimento de R$ 257 milhões efetuados inteiramente pela controladora Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Em 2022, no fim do governo Bolsonaro, a Companhia renovou o contrato com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) com um aditivo que desiste do trecho Salgueiro-Suape, colocando foco apenas até o porto do Pecém.
As obras só retomaram o ritmo previsto no projeto em 2023, com a volta de investimentos federais, quando o trecho Salgueiro-Suape foi inserido no Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Apenas em março deste ano, o TCU decidiu que o Ministério dos Transportes poderia retomar o investimento no trecho da ferrovia Transnordestina.
A ferrovia tinha conclusão prevista para o ano de 2016. O governo federal quer entregar a primeira fase das obras, que vai do Piauí ao Ceará, até 2027, e a segunda, do Piauí a Pernambuco, até 2029. De acordo com a concessionária, o primeiro trecho tem cerca de 62% das suas obras já concluídas. Ao todo, o orçamento é de R$ 15 bilhões, dos quais R$ 7,1 bilhões foram utilizados.
Roterdã
A movimentação de cargas no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp) cresceu 11,3% no primeiro semestre de 2024 em comparação com o mesmo período do ano passado, se consolidando como um dos terminais portuários que mais expande no Brasil. Foram quase 9 milhões de toneladas movimentadas de janeiro a junho. Já em 2023, o total movimentado no período foi de 8.084.645 toneladas.
Segundo o presidente do Cipp, Hugo Figueirêdo, o porto deve dobrar a movimentação anual de cargas a partir da chegada da Transnordestina. A expectativa é de que a ferrovia, com forte vocação para o transporte de grãos e calçados oriundos do Centro-Sul e do Sertão Central cearenses e do interior do Piauí e de Pernambuco, seja responsável por um salto de 100% no volume das cargas movimentadas no complexo em 2030. “Quando vier a Transnordestina, que praticamente deve dobrar as cargas, vai ter um salto em pouco tempo”, projeta.
Desde 2018, o Complexo do Pecém tem uma parceria com o Porto de Roterdã, principal porto da Europa, e o maior acionista do porto cearense, com participação de 30%. A cooperação estratégica também deve ser impulsionada pela transição energética. No ano passado, o Ceará e os Países Baixos assinaram um acordo para a criação do corredor de hidrogênio verde, tornando a região uma rota de exportação e importação do combustível entre a América do Sul e a Europa.
Portos secos
O Ceará deve ganhar, pelo menos, três portos secos ao longo dos 608km da Ferrovia Transnordestina. A área alfandegária, também conhecida como Estação Aduaneira do Interior (EADI), funciona com terminal intermodal, podendo ser conectada a rodovias, ferrovias, aeroportos ou vias fluviais.
Utilizados para armazenar, consolidar e transbordar cargas, além de realizar operações de desembaraço aduaneiro, o porto seco serve para movimentar e despachar cargas de importação e exportação.
O projeto mais avançado até o momento é o de Quixeramobim, no sertão do estado. O terminal logístico já recebeu investimentos privados da ordem de R$ 625 milhões pela multinacional Value Global Group, com a expectativa de alcançar o montante de R$ 1 bilhão. Atualmente, a empresa aguarda o licenciamento ambiental para iniciar a terraplanagem da área, prevista para janeiro de 2025.
Segundo o CEO da empresa responsável pelo projeto, Ricardo Azevedo, o porto seco é exclusivamente para o comércio exterior e uma demanda crescente de determinados clientes que querem realizar operações comerciais com o Brasil. Além do licenciamento, é preciso ainda uma autorização da Receita Federal para virar um porto seco, uma autoridade alfandegária. “Tem todo o tipo de tecnologia e segurança. É um empreendimento em que você fica refém, no bom sentido, da Polícia Federal e da Receita Federal, em que você tem de cumprir exatamente as regras internacionais”, explica.
Atualmente, a Value opera terminais multimodais, que recebem, armazenam e consolidam cargas de mais de um modal de transporte: seja rodoviário, ferroviário, aquaviário e aéreo. “Temos clientes que exigem que sejamos porto seco. Teremos ainda uma área para terminal nacional, por meio do terminal multimodal, e uma área reservada alfandegada com todas as características do porto seco”, destaca.
De acordo com Azevedo, o porto seco a ser implantado em Quixeramobim proporcionará uma redução do custo logístico no transporte de cargas. A estimativa é baratear de US$ 20 (R$ 120) a US$ 30 (R$ 180, na cotação do dia 28/11) por tonelada de carga, diminuição que pode resultar em preços mais baixos dos produtos para o consumidor final.