Ao contrário do que muitos imaginam, não há motivos para supor, segundo o chefe mundial de tecnologia da Volvo, Lars Stenqvist, que o Brasil ficará fora do uso de fontes de energia que substituirão combustíveis fósseis, no transporte de carga. Isso inclui as mais avançadas, como o hidrogênio. Para o executivo sueco, o potencial do país na geração de energia hidrelétrica, solar e eólica abre os caminhos nessa direção. Stenqvist é um entusiasta do hidrogênio verde e diz que o custo tende a diminuir à medida que a demanda para uso industrial em setores como a siderurgia, aumentar. “Não estamos sozinhos; as projeções indicam que no futuro o transporte vai representar apenas 10% do uso do hidrogênio no mundo”, diz.
Em entrevista exclusiva que ocorreu no exclusiva ao Valor durante recente visita ao Brasil, Stenqvist disse que aposta em três frentes para adaptar seus caminhões ao processo global de descarbonização do transporte: veículos elétricos movidos a baterias recarregáveis; células de hidrogênio, que alimentam o caminhão com a energia produzida a bordo; e motores a combustão abastecidos com combustíveis sustentáveis, como biogás.
“Fizemos muitos estudos e chegamos à conclusão de que não existe uma bala de prata; temos que investir muito nessas três tecnologias”, afirma Stenqvist
A grande força global na descarbonização do transporte de mercadorias, hoje, vem das gigantes do varejo, segundo Stenqvist. Essas empresas se deram conta, diz, que precisam reavaliar sua logística. Caso contrário, “jamais conseguirão entregar o que prometem” em relação à sustentabilidade.
Para Stenqvist, é esse tipo de comprometimento que hoje rege o mundo dos negócios e apesar de “ninguém estar sentado esperando os políticos”, como afirma, para ele, o processo exige que governos de todo o planeta ajam rápido para taxar tudo o que produz emissão de carbono. “Nossos políticos precisam ser mais claros em relação à taxação das emissões de carbono”, diz.
A vantagem do hidrogênio verde está em sua origem sustentável, já que o mesmo elemento também pode ser produzido de combustíveis fósseis. O verde é produzido por células de eletrólise, que podem ser alimentadas por usina fotovoltaica. A chamada célula de hidrogênio utiliza a combinação química de hidrogênio e oxigênio para geração de energia elétrica.
As explicações técnicas são assunto para os 13 mil engenheiros da volvo 500 dos quais na fábrica de Curitiba- que estão sob o comando de Stenqvist. Para o transportador, o que mais interessa e que, ao mesmo tempo, mais empolga Stenqvist em relação ao hidrogênio, é a capacidade de caminhões mais pesados, que rodam grandes distâncias poderem, no caso, carregar a bordo a tecnologia que produz a eletricidade que os faz funcionar. A eletricidade gerada com os equipados com baterias, de dispensar as paradas para carregamento das baterias em tomadas ou estações de recarga rápida.
Para Stenqvist, ao contrário da indústria de automóveis, fortemente voltada á eletrificação com baterias recarregáveis, a diversidade nos usos de caminhões exige estratégia diferente, com mais opções. Todas, no entanto, criadas a partir de fontes sustentáveis. “Acredito fortemente que o motor a combustão na indústria de comerciais pesados vai permanecer, desde que, obviamente, funcione com combustíveis renováveis, que podem ser os gasosos, como biogás, ou líquidos, como diferentes formas de diesel sintético”, destaca.
Segundo ele, o processo de descarbonização do transporte ainda tem muitos desafios tecnológicos pela frente. “Mas é por isso que ser engenheiro nesse momento é tão estimulante”, diz. Stenqvist esteve no Brasil retomando as visitas anuais que, antes da pandemia, costumava fazer em Curitiba e em outras partes do mundo onde a companhia tem centros de engenharia. Segundo conta todos estão envolvidos no desenvolvimento dessas novas tecnologias.
A volvo estabeleceu, como meta mundial, não ter mais veículos movidos a combustíveis fósseis a partir de 2050. “Como nossos caminhões circulam, em média, dez anos, temos que parar de entregar esse tipo de veículo por volta de 2040”, afirma o executivo.
Para o desenvolvimento das células de hidrogênio, a Volvo firmou uma parceria com o grupo alemão Daimler, ao qual pertence a Mercedes-Benz. Chamada de Cellcentric, a joint venture fornecerá as células de combustível para ambas as empresas. “Isso mostra o tamanho da transformação pela qual estamos passando. Nos tornamos parceiros de um dos nossos principais concorrentes para poder atingir o volume necessário a custos de produção corretos”, destaca.
Na semana passada, a Volvo iniciou, em Gotemburgo, onde fica a sua sede, na Suécia, a produção em série de caminhões pesados elétricos, com baterias carregadas em tomadas. No próximo ano, modelos elétricos, com capacidade acima de 44 toneladas, também começarão a ser produzidos na fábrica da Bélgica.
Os pesados elétricos têm autonomia de 300 quilômetros com uma carga de bateria. Isso é suficiente, segundo Stenqvist, para o trabalho de um dia na maior parte das estradas europeias. Além disso, uma parceria entre Volvo, Daimler Truck e a Traton, empresa à qual pertence a Volkswagen Caminhões, tem investido em postos de recarga nas rodovias da Europa.
Já o Brasil não deve ter caminhões pesados elétricos tão cedo, diz o executivo, os modelos movidos a baterias recarregáveis devem se limitar, por enquanto, aos veículos de entregas urbanas. É o mesmo caso dos ônibus. Recentemente a Volvo anunciou que a partir de 2025 passará a vender apenas veículos elétricos no segmento de urbanos no Brasil e na América Latina.
No caso dos caminhões que transitam pelas estradas, a situação é diferente. E esse é mais um motivo para Stenqvist acreditar que outras formas de energia, como as células de hidrogênio, devem aparecer por aqui mais cedo do que muitos pensam.
Fonte: Valor econômico