Há quase dois anos do início da pandemia, agentes do setor portuário avaliam que 2022 ainda deve ter problemas semelhantes aos enfrentados pela cadeia logística mundial nesse período. Representantes de armadores, terminais e autoridades portuárias acreditam que o Brasil deve investir em infraestrutura e ampliar a cooperação junto a autoridades e órgãos anuentes a fim de minimizar os impactos causados principalmente pelas restrições sanitárias, falta de contêineres e disparada dos fretes.
O Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave) considera que a quarentena de 14 dias estabelecida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é hoje um dos principais problemas dos transportadores marítimos que operam na navegação de longo curso no Brasil. A entidade defende que o navio não fique de quarentena até descarregar a carga que está a bordo, deixando de afetar de forma violenta a fluidez desse sistema. “Temos defendido com rigor nossa política sanitária, mas temos que entender que navio não pega Covid, quem pega [a doença] são as pessoas”, disse o diretor-executivo do Centronave, Claudio Loureiro, nesta terça-feira (28), durante painel da Brasil Export.
O Centronave reconhece que os terminais sentem com mais vigor a questão das janelas de atracação, uma vez que navios que estavam previstos são obrigados a ficar em quarentena quando identificados casos de Covid-19 na tripulação embarcada. A medida, segundo Loureiro, rompe completamente a programação de atracação dos terminais, mantendo a bordo muitos contêineres que deveriam estar circulando.
Além da forma como a quarentena é encarada pela Anvisa, Loureiro apontou que existem áreas de cooperação entre agentes e outros órgãos anuentes que podem ser melhor trabalhadas, como a velocidade de devolução de contêineres na importação. Ele acredita que podem ser estudadas formas de a Receita Federal agilizar o máximo possível a liberação de carga, quando for viável.
O diretor-executivo do Centronave relatou que nos portos de Los Angeles e Long Beach, nos Estados Unidos, existem terminais enfrentando dificuldade de aumento do tempo de abertura do gate porque há muitos embarcadores que resistem a operar nos prazos normais, por questão de custo. “Há espaço para cooperação e nós temos que ter pragmatismo. Estamos saindo de uma era de valores de frete muito baixos”, disse. Ele ressaltou que os fretes aumentaram no spot e que, para quem tem contrato, o frete está inflado há mais tempo.
A avaliação do Centronave é que o aumento dos volumes movimentados por contêineres em 2021 criou uma aparente contradição entre a escassez de equipamentos com aumento do volume transportado. “Isso significa que está feito um enorme esforço de posicionamento e de aumento da fluidez de circulação dos navios. A questão toda é o travamento da cadeia logística”, analisou Loureiro.
O CEO da Santos Brasil, Antonio Carlos Sepúlveda, vê o mundo no ano que vem com horizonte muito parecido com 2021. “Talvez 2023 consiga reagir à mudança do comportamento de consumo no mundo inteiro”, comentou. O executivo considera que o Brasil não está pior preparado que ninguém para enfrentar esse momento. Ele avalia que a evolução da Receita Federal é grande e que não há falta de cooperação, uma vez que autoridade portuária e órgãos anuentes costumam ser sensíveis aos problemas apresentados pelos terminais.
Para Sepúlveda, pragmatismo e adaptação são o melhor remédio para a crise atual. “Temos que ter paciência e, nos casos específicos, tomar decisões de buscar soluções diferentes. O mundo não é mais o mesmo e a logística não é mais a mesma. As cadeias de suprimentos estão obstruídas. O ‘just in time’ já foi para o espaço há muito tempo e está trazendo produção para nível local em diversos países”, analisou.
O CEO da DP World Santos, Fabio Siccherino, disse ser difícil prever se o padrão de consumo retornará ao estado pré-pandemia. Ele entende que criou-se uma maneira diferente de consumir, com enorme crescimento do e-commerce pelo mundo. Siccherino projetou que, em algum momento, os volumes consumidos em e-commerce serão revertidos para gastos com turismo, por exemplo, que estão represados.
O executivo ressaltou que o contêiner trouxe uma capilaridade que o break bulk e o granel nem sempre conseguem dar, permitindo transportar pequenas quantidades a regiões mais afastadas a custos razoáveis. “O contêiner nos trouxe essa possibilidade que o granel e o break bulk hoje não conseguem porque é preciso movimentar grandes quantidades, ter portos preparados e logística mais complicada, do ponto de vista de investimento”, destacou. “Acho que ainda vamos ficar mais alguns meses com isso e que, antes de meados de 2022, esse panorama não muda muito”, projetou Siccherino.
O diretor-presidente da Santos Port Authority (SPA), Fernando Biral, afirmou que o cenário de pragmatismo e adaptação deve perdurar, sendo que a questão da infraestrutura continuará a ser motivo de preocupação da autoridade portuária. Ele disse que o desafio é planejar o porto de forma a se antecipar aos problemas. Biral ressaltou que o setor portuário brasileiro sente esse efeito em menor grau, talvez por não estar totalmente inserido dentro da logística global, que pressupõe, inclusive, navios com maiores dimensões. “Hoje ainda operamos ‘na berlinda’ com navios que ‘sobraram’. Não estamos totalmente inseridos na logística global de forma mais eficiente. Nosso desafio é prover infraestrutura melhor”, comentou.
Fonte: Portos e Navios