O grão é o grande viés da economia do Brasil. São cerca de 270 milhões de toneladas e boa parte dele tem como destino as exportações, ou seja, o comércio exterior. O maior desafio da agricultura, no momento, é aumentar essa produção com menores custos e isso passa, necessariamente, por melhores condições de infraestrutura e logística pós-porteira. No entanto, é necessário que o país amplie os seus corredores de escoamento agrícola, sem deixar o Nordeste de lado.
É o que destacou o diretor da Agemar Infraestrutura e Logística, Manoel Ferreira, durante o painel “Conexão do agronegócio com a infraestrutura portuária da região Nordeste”, no segundo dia do Centro-Oeste Export – Fórum Regional de Logística e Infraestrutura Portuária, realizado em Campo Grande (MS), realizado na última semana.
Na oportunidade, Ferreira citou um exemplo de integração, que deveria ser mais bem explorado: a ferrovia que liga o município piauiense de Eliseu Martins, a poucos quilômetros (pela linha de ferro) da nova fronteira agrícola do Matopiba, composta por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Segundo ele, esse modal ferroviário é uma oportunidade, daqui a cinco anos, para trazer os grãos de outros estados até o Porto de Suape, no estado de Pernambuco, levando em conta que “o Porto de Itaqui (MA) já recebe 15 milhões de toneladas por ferrovia e 75% chegam de caminhão”.
Números
Embora o Centro-Oeste tenha sido o destaque do encontro em Campo Grande, representantes do Nordeste reivindicaram maior atenção relacionada ao consumo interno e aos avanços da agricultura nordestina, mesmo que sua participação seja menor em comparação a outros estados como Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Das 260 milhões de toneladas de grãos previstas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ou das 270 milhões de toneladas estimadas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a safra 2021/2022 – que já foi encerrada, no entanto, ainda não há dados consolidados –, mais de 25 milhões foram produzidos em solo nordestino.
Os destaques devem ficar para Bahia, com aproximadamente 13 milhões de toneladas, e Maranhão empatado com Piauí, cada um com 6 milhões. O cultivo de grãos no Nordeste ocupa algo em torno de 9 mil hectares.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a cana-de-açúcar é o principal produto agrícola da região, com lavouras concentradas em Alagoas, Pernambuco e Paraíba (nessa ordem), sendo também importantes os plantios de algodão (Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte), de soja (Bahia e Maranhão), milho, tabaco (Bahia), caju, uva, manga, melão e outros.
Modal ferroviário
Ao tratar da intermodalidade do transporte e da logística no Brasil, o diretor da Agemar destacou a eficiência da ligação do Centro-Oeste com o Sul e o Sudeste pelas rodovias e ferrovias (em menor proporção). “No entanto, quando chega ao Arco Norte, só existe o Porto do Itaqui. Temos uma boa linha ferroviária – em torno de 25% –, mas o restante é rodoviária”.
Conforme Ferreira, “o Brasil é muito pífio em transporte ferroviário, pois temos somente 15% de malha, no entanto, com a medida provisória das 80 autorizações (concedidas) no ano passado, em seis ou sete anos, isso deve mudar bastante”.
A medida provisória citada pelo diretor da Agemar, segundo a Agência Câmara de Notícias, diz respeito à MP nº 1065/2021, que instituiu o novo marco legal do transporte ferroviário, com destaque para a permissão da construção de novas ferrovias via autorização simplificada, sem a necessidade de licitação, bem parecida daquilo que já ocorre em setores como telecomunicações, portuário e aeroportuário.
Piauí é único do Nordeste sem instalação portuária
Durante o painel “Conexão do agronegócio com a infraestrutura portuária da região Nordeste”, a maioria dos debatedores concordou que os portos são fundamentais para esse setor da economia brasileira, tanto no mercado interno como externo. “Mas quando falamos que precisamos melhorar a infraestrutura, eu não digo só dos portos, porque os nossos são muito eficientes. O porto é um dos elos”, resumiu Ferreira.
Para o presidente do Conselho do Nordeste Export, Aluisio Sobreira, o debate serviu “para contribuir com uma visão de alternativas logísticas, não esquecendo sua parte de atender ao litoral, para o escoamento da produção posterior” e para tratar de “algo meio sem nome, que é o Arco Nordeste”.
“No Nordeste, que possui nove Estados, somente o Piauí não tem uma instalação portuária. Então, convive-se com portos complementares e de menor porte, com aqueles de maior movimentação, como é o caso do Itaqui, Suape, Pecém (CE) e Aratu (BA), quando falamos em granel”, citou Sobreira.
Manoel Ferreira, diretor da Agemar, salientou que Aratu já movimenta 6 milhões de cargas na região de Barreiras, no entanto, é urgente a necessidade de melhorar as malhas rodoviária e ferroviária. “Nós ficamos parados por 30 anos. A gente teve o projeto da Transnordestina em 2007/2008, que pouco saiu do papel. Foram 300 quilômetros que gastaram R$ 7 bilhões. Mas com essas autorizações (via MP 1.065), nós temos um novo marco ferroviário.”
Portos do Itaqui, Suape e Pecém
No painel, Aluísio Sobreira também destacou o estado do Maranhão, “que fica na ponta do corredor Centro-Norte, cumprindo o papel dele com investimentos expressivos que ocorreram no Porto do Itaqui, com boas ferramentas de gestão, fazendo com que o Itaqui, praticamente, atingisse o ápice da sua movimentação”.
De acordo com o conselheiro, o dimensionamento do porto maranhense, porém, já não atende ou não vai atender às cargas, devido às taxas de crescimento muito elevadas. “Nós vimos uma baixa na industrialização e isso repercute na movimentação de contêineres, por onde passam as cargas de maior valor agregado. Mas existem oportunidades para novas unidades portuárias.”
Ele citou os portos de Pecém e Suape, “sendo que Suape tem uma expectativa muito grande de crescimento, com a instalação de novos trechos ferroviários, que são grandes, como o que vai ligar o Piauí a ele”.
Ainda tratando da importância dos portos brasileiros para a eficiência do transporte e logística do agro no Nordeste e no Brasil, o diretor comercial da Companhia Docas do Ceará, Mario Jorge Cavalcanti, disse que “Pecém e Suape estão ávidos por cargas, mas as cargas não conseguem chegar lá; e o Centro-Oeste tem a carga e está ávido por um porto, mas não tem um porto”.
Usina de fertilizantes no Ceará
Mencionando as futuras expectativas para a geração de novas oportunidades socioeconômicas para o Nordeste, Cavalcanti citou um empreendimento da empresa Galvani, no Estado do Ceará, previsto para ser concluído em 2025, a partir da implementação de uma usina de produção de urânio e fosfato, a 200 quilômetros de Fortaleza, no município de Santa Quitéria.
“Ela vai produzir 1 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados e 200 mil toneladas de cálcio. Então, será 1,2 milhão de toneladas de produção, só nesta unidade”, informou o diretor da Docas do Ceará, salientando que as audiências públicas, junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), já foram encerradas. Agora, o órgão tem menos de seis meses para emitir a licença prévia. A partir daí, a expectativa é que as obras da Galvani comecem no primeiro semestre de 2023.
“A Galvani entrou com um estudo de viabilidade técnica, junto ao Ministério da Infraestrutura, para arrendar uma área no Porto de Fortaleza. Um armazém já está sendo construído e serão construídos outros dois. A produção de mais de 1,2 milhão de toneladas (de fertilizantes) será escoada pelo Porto de Fortaleza e vai trazer (de volta) alguns derivados de petróleo – o combustível que será usado pela usina – e outros produtos de mistura do fertilizante, como enxofre, sulfato e ureia”, contou Cavalcanti, revelando que os investimentos devem chegar a R$ 2,3 bilhões e gerando aproximadamente 5 mil empregos.
Escoamento
“Uma das alternativas para escoar esse fosfato é exatamente daqui (do Centro-Oeste) para o Arco Norte, chegando até Santarém (PA). Então, eu entro com a proposta: por que não pegar o milho e a soja do Centro-Oeste, levando-os até Santarém e depois para o Ceará? O Ceará consome muito milho, tem muitas granjas e muitas fábricas de ração”, sugeriu.
Conforme propôs Cavalcanti, “para o navio que levou o fertilizante (da Galvani) não voltar vazio, ele poderia trazer os grãos do Centro-Oeste, via Santarém, para o Porto de Murtinho e de lá distribuir para o Ceará”. “Existe espaço no Porto de Fortaleza para fazer um armazém para receber o milho e entregar o fertilizante.”
Outras vias de acesso
Também presente no painel, Edeon Vaz Ferreira, diretor executivo do Movimento Pró-Logística e presidente do Conselho do Centro-Oeste Export, salientou que a região é dividida, com Goiás utilizando o corredor logístico dos portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR); Mato Grosso do Sul os mesmos, além do futuro Corredor Bioceânico; Mato Grosso também, acrescentando os corredores que chegam aos portos do Madeira, em Rondônia, de Tapajós, no Pará, e o corredor leste da BR-158 indo até o Porto do Itaqui,
“Nós estamos vendo o agro crescer e, com as autorizações ferroviárias, nós teremos novas oportunidades que vão permitir a conclusão da Transnordestina com acesso a Suape, sendo que já está definido de que (também) vai ter acesso ao Porto do Pecém”, disse o diretor.
Em sua opinião, dentro desse cenário do agronegócio, é importante também pensar no mercado consumidor interno, levando em conta que o Nordeste – entre Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte – consome por volta de 6 milhões de toneladas de milho por ano e esse grão tem de vir de algum lugar.
“Parte dele vai da Bahia, do Piauí e do Maranhão, quando tudo dá certo, porque a gente sabe da instabilidade produtiva naquela região. E o restante vai de caminhão do Centro-Oeste, quando não é importado de outros países. Os animais também precisam comer. Por isso, temos discutido essa oportunidade de se fazer (o transporte) por cabotagem, com a recepção do milho vindo de Santarém e o escoamento dos fertilizantes para o Mato Grosso.”
Edeon Ferreira ainda salientou que – além do Porto do Itaqui, que já está consolidado – há mais duas novas oportunidades, mesmo que não sejam para agora: o Rio Mearim e o Terminal Portuário de Alcântara, ambos em território maranhense.
“Com a autorização ferroviária, vai ser possível fazer o trajeto de Açailândia ao Porto de Alcântara por uma ferrovia dedicada, que vai transportar minérios e grãos para Alcântara, um porto de águas profundas. Quando vai ser? Eu acredito que entre 15 e 20 anos, não antes disso”.
“Para você construir uma ferrovia são 50 quilômetros ao ano. Então, se você tem 500 quilômetros, que é o caso da ferrovia de Alcântara, são 10 anos. Depois vêm os licenciamentos e outros trâmites, daí chegarmos a 15 anos”.
Conforme Ferreira, essa é a mesma luta no Mato Grosso relacionada à malha ferroviária da Ferrogrão, que vai atender ao eixo da BR-163 e deve levar 15 anos ou mais. Por essa razão, ele defendeu que a infraestrutura e a logística do país sejam tratadas como políticas de Estado e não de governos. “No momento em que é política de governo, ela está fadada a parar. Nós já estamos cansados de ver obras e projetos que foram iniciados no passado, mas não foram concluídas dentro do governo e depois ficaram paralisadas”.
Fonte: Portos e Navios